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BINGO

Publicado Por: INPE
Última Modificação: Mai 21, 2020 16h54

Fast Radio Bursts - FRB

Descobertos em 2007 em uma revisão de dados obtidos em 2001 pelo radiotelescópio australiano de Parkes, um refletor de 64 m de diâmetro, os fast radio bursts (FRB) são flashes de rádio extragalácticos de origem física até o momento desconhecida, apresentando densidades de fluxos que variam entre centésimos até centenas de Jansky e duração de dezenas de microssegundos até alguns segundos.

Pulsos de curta duração já são conhecidos em radioastronomia desde a descoberta de pulsares, em 1967. Um comportamento conhecido desses pulsos é a diferença do tempo de detecção nas diferentes frequências que compõe a radiação eletromagnética do pulso. Esta diferença é proporcional ao inverso do quadrado da frequência e à medida de dispersão (DM, dispersion measure), como visto na equação a seguir:


(8.1)

Na equação (8.1), qe é a carga do elétron, me a massa do elétron, c a velocidade da luz e 𝜈 a frequência. A medida de dispersão DM, dada por:


(8.2)

Como mostra a equação (8.2), a DM é dada pela integral da densidade eletrônica ne ao longo da linha de visada. Assim, medidas de dispersão podem ser usadas para calcular distâncias.

A Figura 8.1 mostra dois exemplos de FRB. Em cada caso, o gráfico inferior é o espectro dinâmico, que mostra o burst no plano frequência-tempo, e o gráfico superior mostra, em unidades arbitrárias, a intensidade total, integrada e com a dispersão do pulso corrigida. O pulso integrado revela um flash de intensidade várias vezes maior que o ruído de fundo, enquanto o espectro dinâmico revela a dependência do tempo de detecção do pulso em função da frequência, como descrito pela equação (8.1).

Os valores de DM para os FRB são maiores que o esperado pela contribuição da densidade eletrônica da Galáxia. A Figura 8.2 mostra a razão entre o valor de DM esperado para a Galáxia, baseado no modelo de densidade eletrônica NE2001 (ref), e os valores de DM medidos para pulsares galácticos, pulsares nas Nuvens de Magalhães e FRB.


Figura 8.1 - Esquerda: FRB010724, o primeiro FRB a ser descoberto, apresentando uma medida de dispersão DM = 375 pc cm-3. Direita: FRB110220, de DM = 944 pc cm-3.


Figura 8.2 - Gráfico da razão entre DM do objeto\evento em relação à DM galáctica em função da DM do objeto/evento. É notável o excesso de DM nos FRB, o que nos leva a concluir que a fonte desses eventos é extragaláctica.

Além de grandes medidas de dispersão, chegando até 2500 pc.cm-3 como mostra a Tabela 8.1, as temperaturas de brilho podem chegar a 1035 K, o que implica que a fonte dos FRB é um emissor não-térmico coerente.

Tabela 8.1 - Dados de alguns FRB
FRB Telescópio DM [pc cm-3] Duração [ms] Fluxo [Jy]
FRB160102 Parkes 2596,1±0.3 3,4 0,5
FRB181016 UTMOST 1982,8±2.8 8,6 10,19
FRB190417.J1939+59 CHIME/FRB 1378,1±0.2 3,3 0,5
FRB181017 UTMOST 239,97±0.03 0,32 161
FRB180430 ASKAP 264,1±0.5 1,2 147,5
FRB141113 Arecibo 400,3 2 0,039
FRB160920 Pushchino 1767±4 5000 0,22
FRB180729.J0558+56 CHIME/FRB 317,37±0.01 0,08 -

Entre os pouco mais de 100 FRBs detectados e confirmados, onze apresentam repetição do fenômeno. Inúmeras hipóteses vêm sendo propostas para explicar as origens dos FRBs e uma explicação definitiva ainda é desconhecida. Os modelos os tratam desde emissões de radiação de curvatura gerada por reconexões magnéticas em magnetares até coalescências ou colapsos de objetos massivos, como buracos negros e estrelas de nêutrons.

Há muito espaço para avanços no entendimento das características da população de FRBs, possivelmente transformando esses objetos em uma nova ferramenta para sondar o meio intergaláctico ou testar teorias físicas fundamentais. Cruzando informações de DM e redshifts é possível medir diretamente a densidade cósmica de bárions ionizados. Juntamente de outras sondas cósmicas, FRBs poderiam restringir uma equação de estado para energia escura, assim como as densidades de curvatura e de matéria bariônica presentes nas equações de Friedmann para Cosmologia.

Efeitos acentuados de lentes gravitacionais na detecção de FRBs serão capazes de restringir a constante de Hubble e a curvatura do Universo. Como a dependência do tempo de chegada dos pulsos de um FRB em relação a frequência é bem conhecida, restrições sobre o valor da massa do fóton podem ser estabelecidas. No entanto, para que essas teorias sejam testadas, o número de FRBs detectado deve ser maior. Desta forma, compreendendo a relevância científica dos FRBs, o radiotelescópio BINGO pode ser considerado um potencial identificador de FRBs, sendo colocado na vanguarda dos radiotelescópios detectores de transientes ao lado de outros grandes projetos no mundo.

Caso estejam isotropicamente distribuídos no céu e suas medidas de dispersão causadas pelo meio intergaláctico, a taxa de FRBs espalhados pelo céu deve ser de aproximadamente 1000 eventos por dia. Considerando que o BINGO varrerá uma faixa de aproximadamente um oitavo do céu, teremos uma média de 125 FRBs/dia nessa área. Levando em conta que o radiotelescópio possui um plano focal de 18 deg² e que o último protótipo de receptor apresentou um limite superior para a temperatura de sistema de 89 K, a expectativa de detecção de FRBs com o BINGO chega a uma detecção a cada quatro dias, considerando canais de 70 MHz e um tempo de integração de 1 ms. No futuro, os receptores do BINGO terão uma temperatura de sistema menor, o que ampliará a expectativa de detecção de FRBs.

Assim, mesmo que o BINGO tenha como prioridade colher dados para criação de mapas de HI em sua linha de visada, a localização ideal para observação astronômica, o amplo campo de visada, a configuração e design óptico com múltiplos feixes, plano focal muito grande (300 m²) e a forma de observação contínua e repetida sobre a mesma região do céu tornam o radiotelescópio BINGO um poderoso instrumento capaz de detectar fenômenos transientes em rádio, inclusive os FRBs, necessitando apenas menores tempos de integração e canais espectrais mais finos.

Referências

  1. E. Petroff; J. W. T. Hessels & D. R. Lorimer. (2019) Fast radio bursts. The Astronomy and Astrophysics Review, 27(1), 4.
  2. J. M. Cordes & S. Chatterjee. (2019) Fast radio bursts: an extragalactic enigma. Annual Review of Astronomy and Astrophysics, 57, 417-465.
  3. Vieira, F. A. S. Protótipo de radiômetro simples para pesquisa em fast radio burst com o radiotelescópio BINGO. 153 p. Dissertação (Mestrado em Astrofísica) — Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos, 2020.
  4. http://www.frbcat.org
  5. https://frbtheorycat.org