Cosmologia
A distribuição angular
A segunda característica importante da RCFM é a sua distribuição angular, que mostra a existência de pequenas variações, em diferentes direções do céu, na temperatura de 2,726 K. Essas variações, também chamadas de anisotropias, contêm informação sobre a distribuição da matéria no Universo jovem. Acredita-se que elas estejam relacionadas às sementes das estruturas que vemos no céu atualmente. Seria muito difícil explicar como o Universo passou do "plasma primordial" para as estruturas que observamos hoje caso não fossem detectadas anisotropias da ordem de 10-5, ou seja, se a temperatura da RCFM fosse exatamente 2,726 K em todo o céu (Figura 4, imagem superior).
Em 1992, o satélite COBE (Cosmic Background Explore) confirmou a existência de pequenas flutuações de temperatura, da ordem de ΔT/T ≃ 10-3, atribuídas ao movimento do Sistema Solar em relação à SUE. O COBE também detectou anisotropias de origem cosmológica, da ordem de ΔT/T ≃ 10-5 (Figura 4. imagem intermediária). Logo após, diversos experimentos confirmaram a existência de flutuações na RCFM em diferentes escalas angulares. Em 2003, o satélite WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe) apresentou resultados que mostravam, em detalhes, exatamente o mesmo tipo de estrutura medida em 1992 pelo COBE (Figura 4, imagem inferior).
Figura 4: Mapas da RCFM. A figura no topo simula os resultados de Penzias e Wilson, como se todo o céu tivesse sido observado com a antena à esquerda (T=2,726 K). A Figura central mostra os mapas de anisotropias feitos pelo satélite COBE, em 1992 (ΔT ≈ 18μK). As manchas azuis, verdes e vermelhas correspondem às flutuações de temperatura (regiões quentes e frias) no Universo jovem. A imagem inferior mostra o mapa publicado pelo satélite WMAP, em 2003. Note a maior nitidez na mesma distribuição de temperaturas encontrada nos mapas do COBE para a mesma temperatura de ΔT ≈ 18μK. (Fonte: WMAP Science Team, http://map.gsfc.nasa.gov).
O estudo de anisotropias é realizado em escalas angulares pequena (θ ≲ 10'), intermediária (10' ≲ θ ≲ 2°) e grande (θ ≳ 2°). Em cada uma dessas escalas há a predominância de diferentes processos físicos. A interpretação da distribuição das flutuações de temperatura está ligada às flutuações de matéria na época do Universo jovem. Devido ao acoplamento entre matéria e radiação, esperava-se que existissem oscilações no fluido primordial. Ao se medir as anisotropias, encontrou-se a conseqüência dessas oscilações: uma série de picos no espectro de potência da RCFM, chamados de picos acústicos, que são perfeitamente descritos pela teoria física do oscilador harmônico amortecido. Os principais processos que contribuem para a produção de flutuações de temperatura na RCFM são:
Efeito Sachs-Wolfe: efeito causado por perturbações gravitacionais. Irregularidades presentes na distribuição de matéria e energia na SUE geram flutuações no potencial gravitacional, que geram flutuações de temperatura na RCFM. As flutuações de temperatura causadas pelo efeito Sachs-Wolfe são dadas pelas relação
em que Φ é o potencial gravitacional num determinado instante t e posição r, ΔM corresponde à variação de matéria que cria o potencial gravitacional dependente do tempo, c é a velocidade da luz, G é a constante gravitacional, L é a escala de tamanho em que ocorrem as flutuações gravitacionais e p é a densidade de matéria. Esse efeito foi originalmente descrito por Sachs e Wolfe, em 1967.
Deslocamento Doppler: perturbação na distribuição angular da RCFM devido ao efeito Doppler cinemático ocasionado por velocidades peculiares do plasma primordial. Para fótons espalhados por um fluido à velocidade ν, esse efeito é estimado por
Dipolo: flutuação de temperatura na distribuição angular da RCFM devida ao movimento do observador em relação ao sistema de referência definido pela RCFM. Esse efeito foi medido pela primeira vez por Conklin, em 1969, e pode ser estimado pela equação
a qual descreve a temperatura T registrada por um observador movendo-se no interior de uma cavidade de corpo negro à temperatura To, com velocidade v em relação à parede dessa cavidade. A grandeza θ representa o ângulo entre a direção do movimento e a linha de visada do observador. A direção do dipolo da RCFM é (l, b) = (264,14º, 48,26º), em que l e b são coordenadas galácticas, e a sua amplitude é 3,372 mK. Para v « c, a Equação (30) permite estimar a anisotropia de dipolo como
Efeito Sunyaev-Zel'dovich: Distorção no espectro da RCFM devido à interação de fótons com elétrons existentes em gases quentes e ionizados, presentes em aglomerados de galáxias que se interpõem entre o observador e a SUE. Neste efeito, fótons que compõem a RCFM são espalhados, via efeito Compton inverso, por elétrons relativísticos presentes no gás. Esses fótons são reemitidos em raios-X e gama, deixando de ser observados na faixa de microondas. Isso ocasiona uma distorção no espectro de corpo negro da RCFM, resultando numa diminuição da intensidade da RCFM na freqüência da observação, com uma conseqüente diminuição na determinação de sua temperatura. Esse efeito é representado por:
em que me representa a massa do elétron, K a constante de Boltzmann, Te a temperatura do gás de elétrons e τ a profundidade óptica na direção do aglomerado. Esse efeito foi previsto por Sunyaev e Zel'dovich, em 1972.
Carlos Alexandre Wuensche - Criado em 2005-06-02